domingo, 9 de setembro de 2007

O quieto animal da esquina

"A minha literatura bebe da fonte oral, presente na entoação das sílabas quando
se vive o estado musical, o canto. Talvez por isso eu tenha fascínio por frases
meio serpenteantes. Há um certo ritmo impossível aí, as sentenças que dobram
quarteirão trazem em si o mito da simultaneidade, o aspirar dizer tudo de uma
vez só."

João Gilberto Noll não é uma unânimidade entre os literatos. Apesar de seus três prêmios Jabuti (o prêmio máximo da literatura brasileira) e de uma infinidade de textos adaptados para o teatro e cinema. Um ilustre desconhecido para a maioria dos leitores brasileiros, o gaúcho Noll se farta da realidade para trazer à tona os desajustes de uma humanidade decadente, apodrecida por valores vis, insanos e caóticos. É considerado um radical entre seus pares, dono de prosa ferina e profunda. Em entrevista à revista Livros (Ano 2, n. 18) ele escancara a sua opção por ser um contador de histórias, um ativista da linguagem, que não prima pela veracidade do que escreve, mas pelas sensações que causa no leitor de suas obras. Exatamente assim vejo O quieto animal da esquina, um pequeno livro do autor que jorra em 94 páginas, intenso. Considerado (e considerando-se) o autor dos excluídos, dos desterrados, do homem da rua, Noll trabalha no fôlego da língua falada, em frases e parágrafos intermináveis, para imprimir à obra o constante afã da resolução irresoluta, do fim infindável, das contradições interditas. Ao ponto mesmo de ser, paradoxalmente, inverossível se olharmos pelo ponto lógico dessa obra: história de um rapaz que acaba de sair da adolescência, mora com a mãe em um apartamento invadido de um prédio abandonado, em meio à marginália, às drogas e outras mazelas. Certa feita, sozinho em Porto Alegre após a mãe decidir morar um uma tia no interior, é acusado de estupro, preso e depois enviado a uma unidade correcional, onde é adotado por alemães numa situação deveras incomum: um clima permeado de doença e morte assola seus benfeitores, enquanto ele se debate na busca de uma melhora em sua situação de vida, melhora imediata, urgente. Um ponto interessante (ou quase) é a constante inspiração do rapaz, que volta e meia escreve poemas. Nesse sentido, o crítico Manoel da Costa Pinto, que escreve a orelha do livro, diz que O quieto animal da esquina seria um "romance de deformação, em oposição ao Bildungsroman, ou romance de formação de origem romântica." O Bildungsroman é a definição de obra onde o protagonista cresce moral, economica e socialmente no decorrer do livro, alcançando a condição de cidadão cioso e ciente de seus atos, consciente do mundo à sua volta e cumpridor de seus deveres perante o universo ao seu redor. E a pequena narrativa de Noll é exatamente o contrário, o protagonista se vê cada vez menos tentado a ser bom e respeitoso, muito mais inclinado se vê para acomodar-se na condição de protegido dos seus pais adotivos.
Talvez a inverosimilhança da linguagem tão apurada do rapaz em certos pontos do livro se dê pela sua "vocação" de poeta, talvez ele tivesse mesmo vocabulário para narrar sua própria história de maneira tão rica e poética, mas não me convenceu nesse sentido. Apesar disso, Noll nos leva à visão do flâneur (aquele que perambula pelas grandes cidades em busca de reflexões sobre a condição humana) pelo seu personagem que nada mais busca que a solução para sua própria vida, e isso realmente vale a pena.


Abr@ço


Peterso Rissatti

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