sábado, 1 de setembro de 2007

Pequenas Epifanias

epifania. s.f. (...) 2 aparecimento ou manifestação reveladora de Deus ou de uma divindade (...) 3.3 trabalho ou parte dele, simbolicamente, revelador (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

Caio Fernando Abreu (1948-1996) foi para mim uma pequena epifania, no ano passado, com Morangos Mofados, livro fantástico de contos do autor gaúcho. Na verdade, uma amiga portuguesa já me falava de Caio Fernando Abreu e eu não havia me detido (olha, já me avisavam do moço lá do outro lado do oceano e eu nem tchuns), até que um amigo brasileiro, que trabalha na Livraria Cultura, me indicou o tal Morangos. Foi paixão à primeira lida. Os contos lidam com o amor e o ódio, com o de mais estranho e sublime que o ser humano tem, sem cair no piegas, sempre surpreendente. Destaque para o conto Aqueles Dois, duma sensibilidade imensa. Escritor nato, vindo de Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, publica seu primeiro romance, Limite Branco, aos 19 anos, uma desconstrução das descobertas da pós-adolescência em meio aos medos e mitos próprios da idade. Limite Branco começa assim:

"Não havia mais nada, estava tudo escuro. Maurício remexia o corpo sobre a vasta e desconhecida extensão da cama, sentindo os membros descolarem-se uns dos outros. Erguia os braços e, na ponta deles, as mãos que voltavam úmidas do vazio. (...)"
Em seguida muda-se para São Paulo, quando entra para a grande imprensa, sendo reconhecido como escritor talentoso com o prêmio da União Brasileira dos Escritores pelo seu primeiro livro de contos, Inventário do ir-remediável. Em 68 foi perseguido pelo DOPS, refugiando-se no sítio da escritora Hilda Hilst, cuja obra inspirou muito Caio. Suas outras residências foram Rio de janeiro, Estocolmo e Londres, já atuando como jornalista, escritor e editor de livros. Lançou 11 livros em sua carreira, entre eles, Pedras de Calcultá, A maldição do Vale Negro, Onde andará Dulce Veiga e Pequenas Epifanias.
Pequenas Epifanias é uma coletânea de suas crônicas para o jornal O Estado de São Paulo de 1986 a 1989. Três anos depois, pouco antes de descobrir que contraíra o vírus HIV, foi instado pelo então editor do Caderno 2, do mesmo jornal, a escrever crônicas. Essas são crônicas de uma lucidez impressionante perante a doença e as possibilidades (ou falta delas), escritos viscerais de alguém vivendo cada dia como único, como último. A partir desse momento, carpe diem virou o mote do escritor e, com maestria, conduz suas dores de forma honesta consigo, num tom "explicitamente autobiográfico e escandalosamente literária (Antonio Gonçalvez Filho, no prefácio de P. E.). Apesar da datação dessas crônicas, consegue ser atemporal, com especial atenção no que diz respeito a uma preocupação muito humana e filosófica: a vida X a morte. Caio Fernando Abreu vale a pena.

Peterso Rissatti

(Caio Fernando Abreu)

4 comentários:

Thiago Lira disse...

"Estranho e sublime..."

Me deixou curioso, vou procurar.

Marcelo disse...

Sou fã de crônicas e contos.
Não conhecia esse autor, mais um para as minhas pesquisas literárias.

Vou procurá-lo.

Abração.

Carmim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carmim disse...

Caio Fernando Abreu é tudo de bom!
Eu como leitora, crio com certos escritores uma empatia automática, foi assim que me fascinei pelo trabalho de C. F. Abreu.
Óptima dica.

Beijos.